Olhares de Lírio

'Quando eu estiver mais pronta, caminharei de mim para os outros. O meu caminho são os outros. Quando eu puder sentir o outro a partir de mim mesma, estarei salva e compreenderei: eis o meu porto de chegada.' Clarice Lispector

quinta-feira, março 16, 2006

A Princesa que não foi

O post tinha que ter outro nome. Era para ser a princesa, a festa e o protocolo.
Mas a tal princesa foi indo , indo, indo e acabou sem vir. Ou ir, já que o treco era previsto para sábado.

Explico: Há exatamente uma semana, sou convocada na direção geral no fim do fim da tarde (tipo cinco minutos antes da creche do pequeno fechar), para receber a fabulosa informação de que a Princesa da Jordânia viria ao Brasil, e para completar, tinha decidido conhecer o projeto que eu supervisiono no Varjão (cidade aqui de Brasília, pertinho do Lago Norte).

A tal visita ia ser pela manhã, com direito a exposição de artesanato, criancinhas com camiseta personalizada e lançamento de jornal comunitário e todas as socialites possíveis e imagináveis da high society candanga (ai meu deus, e eu no meio disso tudo).

Claro que com meu jeito "simpático" aproveitei para dizer que eu organizava tudo, mas estaria cuidando da festa de 1 ano do pequeno. E monitorando tudo por telefone. É, não funcionou. Minha missão era estar lá, organizar tudo e acompanhar "pessoalmente" - afinal, você é a supervisora do projeto (sic).

E entre entender o protocolo, descobrir como se pronuncia o nome da moça, e dos membros da comitiva, de que maneira deve-se aproximar, pra onde olhar, o que vestir, como segurar uma comunidade enlouquecida com a visita de uma Rainha da África (é, um errinho de comunicação e mudaram a posição na realeza e o continente da moça), catar 30 crianças, fechar a formatação do jornal e ainda pensar em que salgadinho comprar pra festa do Ursinho Puff - a semana voou.

E hoje, a notícia - tudo cancelado.
Aff. Sigh. Respiração profunda várias vezes (váaaaarias vezes).
O cerimonial cancelou a visita. Coisas de agenda.
Doze mil telefonemas depois, reorganizando tudo, com direito a faixa com o nome da moça errado e eu correndo na chuva para consertar - o grand finale: Príncipe e Princesa no auditório, com a palestra acontecendo direitinho e com videoconferência para Deus e todo mundo, e eu liberada de sábado, sem ter tido o gostinho de pelo menos ver o rosto da moça (afinal, mãe que é mãe, tem que sair correndo para buscar o pequeno no berçário).

Que venha então, com calma, o Ursinho Puff. Que esta semana estou craque em driblar saias-justas.

terça-feira, março 14, 2006

Meu jardim

Porque o dia hoje é digno de muitas palavras.
Mas elas não cabem, e se escondem.

E mesmo tendo usado a minha camiseta WTF para ver se me protegia da estupidez humana, lá vamos nós para mais uma noite de escrever e reescrever, e milhões de telefonemas, e a mesma correria sem fim que tem tomado os dias ultimamente.

Volto pra casa, e antes do carro pifar, toca no rádio a música que promete me acompanhar madrugada a dentro:

Tô relendo minha lida, minha alma, meus amores
Tô revendo minha vida, minha luta, meus valores
Refazendo minhas forças, minha fonte, meus favores
Tô regando minhas folhas, minhas faces, minhas flores
Tô limpando minha casa, minha cama, meu quartinho
Tô soprando minha brasa, minha brisa, meu anjinho

Tô bebendo minhas culpas, meu veneno, meu vinho
Escrevendo minhas cartas, meu começo, meu caminho
Estou podando meu jardim
Estou cuidando de mim


(Vander Lee)

Aguardem para amanhã: a princesa,a festa e o protocolo.

quarta-feira, março 08, 2006

Do Ursinho da Festa

Mulher, depois que é mãe, se vê frente ao dilema de reajustar posições e noções de mundo que passem a comportar o crescimento e desenvolvimento "normais" do seu pequeno rebento.

E cá estou eu, depois de desejar muito fazer a festa de primeiro ano do meu menino com o tema do Pequeno Príncipe, ou do avião, ou de simplesmente azul, às voltas com balões laranjas e amarelos (veja bem, AMARELOS!), e milhões de carinhas de ursinho Puff, e mesa decorada, e balas de côco embaladas em papel de seda, e balão pinhata para estourar, e garçom, e maquete de bolo e sei lá mais o quê.

Alguém tem idéia do quanto é difícil fugir do lugar comum e achar uma decoração de mesa que não seja absurdamente brega, ou caríssima, ou igual a tantas outras? Levei cinco horas no último sábado, andando como uma desvairada, até achar aquários de vidro, carinha de Pooh e o papel celofane que vai colorir a mesa sem deixar que tudo fique com cara de mesmice.

Vamos então, à festa do Ursinho Puff e seus amigos! O único que eu realmente gosto é o burrinho azul, que por uma infelicidade do destino teve o nome traduzido para Bisonho. Pobrezinho!

E ser mulher, hoje, neste dia 08, me faz lembrar que somos todas multi facetadas, absolutas e em mudança constante. Porque ser mulher é ter a beleza de saber perceber todos os caminhos.

PS: E o pior é sonhar com o Tigrão me perseguindo por uma escadaria de infindáveis degraus, segurando uma velinha de um ano azul e cantando Depeche Mode, que no último disco fez o favor de fazer uma música com o meu nome, absolutamente malvada.
Logo eu, que sou sempre um anjo... ;)

quinta-feira, março 02, 2006

De Outras Asas

E hoje o dia se encerra, tão turbulento e colorido como solem ser os dias por aqui.
Entre levar o menino dos sonhos para a casa dos avós, fazer faxina, costurar os protetores do berço que o pequeno Átila insiste em arrancar nas suas bagunças, pegar o trânsito com um sol de 35 graus incontestes e sem sinal de sombra, fazer a mágica de transformar 4 horas de consultoria em um expediente integral de 10, responder a 3 chefes diferentes, dentro do mesmo assunto, e conseguir tirar leite de pedra e fazer andar um convênio que está parado há mais de oito meses, consegui espremer o tempo e começar a visitar as lojas de tattoo para achar um desenho que tenha a alma do que eu quero.

E assim como o Pedro, que vem sendo gestado desde eu ainda menina, a tal marca na pele vem sendo gestada há mais de 15 anos.

Sartori. Epifania. Parto. Puff. Tanto tempo pra decidir o lugar no corpo, a forma, o movimento, o significado e tão de repente, ainda no ciclo dos 33 anos, a imagem vem nítida, clara, plena e definitiva.

No dia dos 34 anos, as asas que sempre me acompanharam estarão estampadas na pele. Mais uma marca no corpo e na alma. Mais uma cicatriz que conta uma história.
A história de muitas escolhas e caminhos.

quarta-feira, março 01, 2006

Overture - Asas

Escolheu, sem hesitação, das centenas de peças apresentadas no mostruário, uma Glock 22.
Sentiu o peso, acompanhou levemente o desenho das linhas com os dedos pequenos e mesmo infantis.
Carregou o pente com apenas três balas.
Dirigia o carro com a serenidade e placidez da lua que estava no céu, e despontava imensa e senhora da noite que começava.
Achou o lugar que procurava. Seus passos eram sutis e efêmeros, o tempo era seu domínio hoje, e deixara há muito os grilhões que a mantiveram cativa por tantos anos.
As águas silenciosas refletiam todas as luzes do firmamento. Um tributo diáfano ao ato que presenciavam.
Como um vislumbre , ela os avistou.
Apenas três estampidos e o mundo voltou a seu passo cotidiano e ruminante.
O primeiro acertou em cheio o coração cinza de medo.
O disparo que seguiu, atravessou muralhas, véus, cortinas e paredes, despedaçando as máscaras da indiferença.
O último projétil, infalível e determinado, dilacerou as entranhas de inércia da hipocrisia.
E tal um risco calculado, ricocheteou duas vezes na parede da fortaleza e esbarrou na torre da confiança, derrubando tijolos e cimento, e raspou uma das asas da inocência.
Um deles caiu. O outro alçou um vôo de prata, com as asas ensanguentadas.
Ela guardou a peça de cerâmica dentro da alma que pulsava. O confronto chegara a termo.
Dois olhos amarelos estariam aguardando seu retorno.
Tudo tem um preço.
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E tudo recomeça, mais mundana, menos lírica, mais humana, menos inatingível, mais sentir, menos devaneio.
Mais escolha, mais caminho.

Bem vindos ao primeiro dia do resto das nossas vidas.