Eu gosto de letras.
Gosto desse espaço que se desvela em meio às obrigações do dia, ou ao silêncio da noite, incendiado pela lua, onde as palavras tomam forma e criam uma dança própria para expressar sentidos, sentimentos, sensações.
E elas se sentam, em roda, com uma grande fogueira ao centro, e se desnudam em costurar as histórias de instantes vividos, de encontros que virão ou que passaram, de vidas e almas que se tocam e se modificam, mesmo que apenas por um segundo, como se brincassem com pequenas peças de um lego gigante, multi colorido, que se molda ao tempo e ao universo e delineia os destinos de todos os homens.
E minha loucura por letras, vem da imaginação que me compõe e me arrebata com os fios desenhados pelas palavras. E eu consigo voltar no tempo, ou ansiar por um tempo ainda não presente, ou viajar para o longe, em um tempo que poderia ter sido meu e não fora, e deixar-me ali, mergulhada nas sensações, nos desígnios daqueles que participam daquele conto, daquela prosa, daquela poesia sem sentido, em forma de haiku, que o pescador descobriu de manhã, em uma aurora de recolher as redes que passaram a noite ao relento, a seduzir os peixes.
E daí vem sempre a minha brincadeira de roda, sobre o ser nerd ou ser geek. Sou indiazinha, que gosta das coisas ainda simples, ainda humanas, como o simples papel e caneta, o envelope que chega nas mãos do carteiro, e que cruzou quilômetros mil, apenas para trazer notícias de longe, desses pedaços de nossas almas que habitam nos outros.
Em contraponto, a rapidez da tecnologia, a fascinação da fantasia em contraste com a frieza e cinismo da realidade onde nos encontramos hoje, as línguas mortas, o romantismo puro e ingênuo, o conhecer delicado de outras épocas, onde apenas o resvalar dos dedos criava em si um turbilhão de emoções, a memória que me domina, o gosto de estrelas no céu da boca, me fazem diferente de outros, e me coloca nesta data , que criaram hoje, como dia do orgulho nerd, a me sentir em casa junto à estes que também se permitem enxergar este mundo por olhos reflexivos.
E vivo em dicotomia. Pois adoro a possibilidade de romper distâncias apenas com o toque do teclado, mas anseio pelas pequenas coisas que carregam muito mais significado, muito mais leveza, muito mais entrega: o cheiro do perfume, o som da voz, a pressão singular que a caneta deixou no papel, como marcas indeléveis que nem os mais sarcásticos pensamentos conseguiriam apagar. O gesto simples da flor roubada de um jardim, a folha de outono embrulhada em papel de seda, que trouxe a lembrança de conversas passadas, a pedra do jardim que se deseja construir junto, o ingresso da peça de teatro que tem o texto que um dia foi mencionado.
Tenho uma brincadeira, ou tinha, já que o tempo anda engolindo até mesmo esse meu pedido, de que os amigos me enviassem sempre um cartão postal das cidades onde estivessem. Pelo prazer de abrir a caixa postal e encontrar um beijo carinhoso, pelo encanto de sentir a dedicação na escolha da foto, nas letras desenhadas no ínfimo espaço, pelo carimbo do correio, que mostra o longo caminho percorrido, pela ação de pregar no mural o pequeno pedaço de papel, que carrega em si tanta significância, tanto amor, tanto entrelaçar de corações.
E brinco assim também com o pequeno. Mas confesso que nesta última vez, trouxe o papel e o envelope e me esqueci de colocar no correio. Tenho em casa um mural, com cartas escritas ao pequeno, diminutos momentos da vida do pai e da mãe, nestes dias que nos levaram para longe dele, de outras cidades, de outros afazeres, para que, ao aprender o segredo das letras, ele possa lê-las conosco, e perceber o quanto ele sempre nos acompanha em cada instante.
E eu vejo que eu mesma mudo. Eu mesma tenho me sufocado, tantas vezes, nessas teconologias simplistas, que vão matando o lirismo, desfazendo o encanto, a curiosidade, e expondo cada vez mais uma fantasia criada, um mundo de homens que não são, não sentem, não vivem, mas simulam um viver, um sentir, auxiliados pelas teclas e pelo cibernético espaço que nos assola.
Ok, estou divagando. Mas andei mesmo pensando nessas pequenas idiosincrasias do nosso cotidiano, que tem sigo esmagadas pela eterna falta de tempo, pela preemente necessidade de pressa, de velocidade, de ausência, cada dia mais clara, do simples, do instante de apenas contemplar a vista pela janela, e acompanhar o desenho das nuvens acariciando as constelações que riscam o céu.
Isso tudo para você tentar entender um pedacinho a mais de mim. Essa eterna disputa, o efêmero e o eterno, o mortal e o dionísico, o simples e o intrincado, as asas de alma e as asas de metal.
E como o presente chama, e cobra a presença de meus olhos, me desfaço dessas brumas que teço ao me permitir alçar vôos que me encantam, e toco de novo os pés na terra, que me enraiza, como minha tornozeleira e me segura neste instante e neste espaço.
Sopro um beijo de lírios entre os dedos.